A Revolução Francesa (1789-1799/1814-15)
Introdução
Para o historiador Albert
Soboul a Revolução Francesa, assinala a elevação da sociedade
burguesa e capitalista na história da França. Sua característica essencial é
ter realizado a unidade nacional, por meio da destruição do Antigo Regime
senhorial e das Ordens feudais.
Concordando com o historiador, podemos destacar
que a Revolução Francesa pertence ao ciclo das revoluções burguesas, que
combateram o Antigo Regime em sua ordem absolutista, sua economia mercantilista
e a sua sociedade de privilégios. Num sentido mais estrito, a Revolução deve
ser vista como um projeto da burguesia de modernizar a França de modo a levá-la
ao Capitalismo e para isso, ela considerava imprescindível a sua ascensão ao
poder, para que pudesse mudar as instituições, removendo aquelas representativas
do Feudalismo, substituindo-as por instituições da nova ordem capitalista, de
inspiração burguesa, sob a influência do Iluminismo e com base na transformação
da Inglaterra na primeira nação industrializada.
A conjuntura política, econômica e social da França no século XVIII.
A Revolução Francesa foi deflagrada em razão de uma conjunção de fatores, que traduziam um quadro de crise econômica e política, e que colocou em xeque as estruturas do Antigo Regime. Analisemos os componentes dessa conjuntura:
crise no setor agrícola decorrente de uma combinação das oscilações
climáticas – secas periódicas – e uma estrutura agrária ainda feudal, que
utilizava a rotação de culturas e o pousio do campo. Essa crise
ocasionou uma escassez de alimentos, um aumento expressivo dos preços,
desemprego rural e o êxodo da força de trabalho do campo para o meio urbano;
crise no setor manufatureiro provocada pela assinatura de acordo comercial em 1786 com a Inglaterra – Eden-Rayneval -, que previa a abertura do mercado francês para o industrializado britânico em troca da importação, pelos ingleses, dos vinhos franceses. Esse Tratado que favorecia o setor vinícola da nobreza, decretou a falência de um número considerável de manufaturas na França, agravando o quadro de desemprego no país;
crise financeira ou déficit publico já cronificado fruto do desequilíbrio orçamentário do Estado. Esse déficit resultava dos gastos excessivos da Coroa –Luis XVI - com a manutenção das classes privilegiadas – nobreza e clero, que não pagavam impostos, exerciam as principais funções burocráticas e tinham o direito de cobrar impostos dos camponeses -. Além disso, Luis XVI comprometeu as finanças do Estado ao enviar ajuda aos colonos ingleses na independência das Treze Colônias (1776). Esse déficit fazia com que a Coroa adotasse medidas fiscais como a elevação dos impostos que só eram cobrados do chamado terceiro estado, segmento social formado pela alta burguesia, pequena burguesia, trabalhadores urbanos, camponeses e indigentes. A frequência com que isto ocorria contribuiu para aumentar a rota de colisão entre a burguesia liberal e o Estado Francês;
Luis XVI |
O absolutismo dos Bourbons sustentado pela Teoria do Direito Divino
dos Reis, bombardeado pela burguesia que se inspirava nas ideias iluministas.
Os principais alvos das críticas burguesas eram o autoritarismo de Luis XVI, os
privilégios concedidos ao clero e a nobreza e o intervencionismo econômico do
Estado, que atuava como regulador da economia nos moldes do mercantilismo.
O que é o Terceiro Estado? Tudo.
Que tem sido ele até agora na ordem política?
Nada.
Que pede ele? Tornar-se alguma coisa.
[Panfleto escrito pelo abade Sieyès, que circulou
em Paris e que parecia exprimir as aspirações burguesas e populares,
segmentos sociais que constituíam o terceiro estado]
|
O processo revolucionário
(1786) A Reação dos Notáveis.
Este episódio refere-se à exoneração do ministro das
finanças, de Luis XVI, Jacques Turgot em razão da proposta do
ministro de uma reforma financeira que apontava para a suspensão da isenção
tributária das classes privilegiadas do clero e da nobreza. Como Luis XVI os
consultou sobre a proposta do ministro, a reação foi imediata e contrária a
permanência de Turgot no cargo. Luis XVI os atendeu. Assim ficou claro para os
setores burgueses, que não havia a possibilidade de entendimento para a
superação dos problemas franceses.
(1789) A convocação dos estados gerais.
Este fato está relacionado à sugestão do então
ministro das finanças Jacques Necker, banqueiro que ocupava
pela segunda vez o cargo. Necker propôs ao monarca a convocação dos estados
gerais – assembleia formada por representantes das três camadas da sociedade –
para que nela fosse decidida a reforma financeira necessária ao equilíbrio
orçamentário do Estado.
Entretanto, essa assembleia convocada em maio
de 1789 foi dissolvida em junho por decisão unilateral do 3º estado em razão
das divergências entre este e as classes privilegiadas, em particular com
relação ao critério de votação. Tradicionalmente a votação era por classe.
Agora o 3º estado propunha a votação por indivíduo, confiando numa pequena
superioridade numérica no plenário da assembleia (578 x 561). A resistência dos
1º e 2º estados ao voto por indivíduo e a fraqueza de Luis XVI em decidir pela
sua adoção fizeram com que o 3º estado decidisse se separar e formar uma
assembleia em separado, denominando-a Assembleia Constituinte.
Assembleia Constituinte de 1789 |
Num primeiro momento Luis XVI tentou impedir o funcionamento da
Assembleia Constituinte. Entretanto, por não ter êxito optou por negociar com
os representantes do 3º estado a participação dos outros estados na Assembleia.
Isto tornou a Assembleia oficial e nacional e,
com certeza, bem mais moderada politicamente com maioria monarquista
sobrepondo-se aos republicanos. A derrota parecia ser menos desastrosa para a
Casa Monárquica.
(14 de julho de 1789) A tomada da bastilha.
Essa data, hoje comemorada pelos franceses como data
nacional, deu início, na prática, a fase das mudanças revolucionárias na França.
Esse episódio demonstrou que os membros da Assembleia Nacional Constituinte não
tolerariam nenhum retrocesso, de modo que a demissão, por Luis XVI, do ministro
Necker e a presença de tropas palacianas nas proximidades do prédio que
abrigava a Assembleia, foram razões suficientes para que os setores da
burguesia convocassem os setores populares para juntos invadirem e
destruírem a Bastilha sob a bandeira da liberdade, da igualdade e da
fraternidade. Assim, caiu um dos símbolos do absolutismo francês dos Bourbons.
(Julho/Agosto de 1789) O Grande Medo.
Esse episódio mostrou a repercussão no campo dos
episódios de Paris que resultaram na tomada da Bastilha. Com as palavras liberdade,
igualdade e fraternidade ecoando pela França, os camponeses as tomaram
para si e empreenderam uma luta para conquistarem-nas representadas no fim
das obrigações senhoriais e na exclusão do acesso à terra. O
movimento dos camponeses pressionou a Assembleia, fazendo com que fosse votada
e aprovada em 04 de agosto a lei que punha fim ao direito
senhorial de cobrar tributo do camponês, extinguia os privilégios e determinava
uma reforma agrária moderada em que o camponês deveria pagar
pela terra que recebesse.
No dia 26 de agosto a Assembleia aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que consagrava a igualdade de direitos e as liberdades individuais. Esse documento considerado o mais importante da Revolução sepultou a velha sociedade de privilégios do Antigo Regime
(1789/1790) O rompimento das relações políticas entre a Igreja Católica e o Estado Francês.
Essa decisão foi uma resposta
do papado ao fato de a Revolução confiscar as terras da Igreja, para
utilizá-las como garantia para a emissão de títulos da dívida pública lançados
para a captação de recursos pelo governo. Esse rompimento estendeu-se a 1801,
quando o Cônsul Napoleão Bonaparte assinou a Concordata com o Papa Pio VII em
15 de julho de 1801, que restaurava as relações entre o papado e o Estado
Francês. Por esse acordo foi restabelecida a autoridade de Roma sobre o clero
francês, que estava sob a autoridade do Estado desde o rompimento em 1789.
(03 de setembro de 1791) A promulgação da Primeira Constituição
Francesa
Redigida pela Assembleia Nacional Constituinte, inspirada na Declaração
dos Direitos e com base nas ideias liberais defendidas pelos iluministas. Esta
Constituição instalou a Monarquia Constitucional, a tripartição do poder, a
divisão administrativa francesa, a livre iniciativa e o livre comércio.
Entretanto, sob a influência da alta burguesia, a Constituição previa a eleição
da Assembleia Nacional Legislativa pelo voto censitário, que
impunha exigências de natureza econômica para o cidadão ser eleitor. Daí,
nenhuma surpresa na ausência de representantes das classes populares na Assembleia
Legislativa.
(1791/1792) A fase da Assembleia Legislativa ou da Monarquia
Constitucional.
Sentados do lado direito da sala em que se instalara a
Assembleia, estavam os representantes da alta burguesia, os girondinos. Eles
definiam-se como monarquistas constitucionais, eram defensores das reformas
políticas necessárias a implantação do capitalismo, mas não tinham nenhum
compromisso com as classes populares.
Ocupando o lado esquerdo da sala e os lugares
mais altos no plenário da Assembleia, estavam os representantes da pequena
burguesia, os jacobinos ou montanheses. Republicanos assumidos,
considerados como os mais radicais da Assembleia, manifestavam apoio às
reivindicações populares como comida barata, democracia, distribuição
de terras, educação gratuita e impostos proporcionais a riqueza de cada um dos
indivíduos.
No centro da Assembleia e nas partes mais baixas
da sala, estava o grupo menos definido ideologicamente, a Planície ou
Pântano. Grupo socialmente heterogêneo, flutuava como aliado ora dos
girondinos, ora dos jacobinos. Daí a denominação de pântano, por não ser
confiável ou por ser movediço.
Essa fase foi marcada também por uma invasão
sofrida pela França por parte dos austríacos e prussianos (1792), que tiveram o
apoio de Luis XVI. Essa invasão foi frustrada pela reação do povo francês e
custou ao monarca seu afastamento do trono, após ter sido capturado quando
tentava fugir do país, após ter sido acusado de traição.
Entre 1792 e 1793 formou-se um governo da
Assembleia de maioria moderada sob liderança dos girondinos e apoio da
Planície. A atitude vacilante desse governo em atender as reivindicações
populares, abriu caminho para que ocorresse uma Revolução dentro da
Revolução liderada pelos jacobinos, que, com apoio dos sans-cullottes, tomaram
o poder e instalaram um novo período revolucionário.
(junho de 1793/julho de 1794) A República Jacobina
Nos treze meses (junho/1793 a julho/1794), os jacobinos, ideologicamente orientados por Jean-Paul Marat, organizaram o governo com base nos Comitês, entre eles o de Salvação Pública, que tinha a direção Maximiliem Robespierre e adotaram uma série de medidas de cunho social como: voto universal (masculino), educação pública, reforma agrária radical e a lei dos preços máximos. Convencidos que enfrentariam a reação interna o governo jacobino instituiu, pela Lei Prairial, o Terror. Para enfrentar a reação externa, (esta em razão do julgamento e execução de Luis XVI)os jacobinos promoveram uma política de valorização do Exército democratizando-o e dando a ele um papel revolucionário, o de libertação. Daí a simpatia que ele despertou em algumas populações no velho continente.
Lei Prairial resultou de uma proposta
de George Danton, integrante do governo jacobino, para a instalação do
Tribunal Revolucionário para julgar de forma sumária aqueles que fossem
denunciados como traidores da França, da Revolução ou do povo francês.
Segundo algumas publicações, o número de executados atingiu a marca de 20.000
pessoas. A denominação da lei, se deveu ao calendário revolucionário
instituído pelos jacobinos, que substituía o calendário Gregoriano. (Pradial (prairial): 20 de maio a 18 de junho). [Esse
calendário vigorou de 22 de setembro de
1792 a 31 de dezembro de 1805,
quando Napoleão Bonaparte ordenou o restabelecimento do Calendário Gregoriano.]
O mesmo George Danton foi executado na guilhotina, junto com Camile Desmoulins, ambos acusados de conspiração contra o governo jacobino de Robespierre. A morte de Danton foi uma grande evidência da divisão dos jacobinos e consequentemente do enfraquecimento do governo da República da Convenção.
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O governo jacobino caiu em julho de 1794 ou no mês
Termidor frente a uma Contrarrevolução liderada pelos setores da alta burguesia
com o apoio do movediço Partido da Planície. A Reação
Termidoriana, constituiu-se num movimento vitorioso a medida que as
classes populares, nas quais se apoiava o governo jacobino, estavam
amedrontadas pelos excessos cometidos no Terror e não se movimentaram para
evitar a queda. Além disso, os jacobinos se dividiram e o grupo de Robespierre
agiu de forma intolerante contra os Raivosos e contra os Indulgentes
ou moderados. Essa divisão interna só contribuiu para enfraquecê-los.
Não foi surpresa a queda do governo jacobino em julho de 1794.
Entre 1794 e 1795, foi formado um governo
provisório moderado, que utilizou a Lei Prairial contra os jacobinos, e
promoveu uma revisão de determinadas medidas do governo da República Popular
Jacobina como: restauração do voto censitário, revogação da lei dos
preços máximos e paralisação das reformas agrária e urbana. Em 1795
foi promulgada a nova Constituição elaborada por uma Constituinte de maioria
conservadora eleita pelo voto censitário. Com ela instalou-se o novo período da
Revolução.
(1795/1799) A Fase da República do Diretório
Nesses quatro anos funcionou uma República, com o
Poder Executivo exercido por cinco diretores, o Poder Legislativo bicameral com
as Câmaras dos Quinhentos e dos Anciões. Esse governo enfrentou um período de
turbulência política, de inflação e de denúncias de corrupção, que contribuíram
para a ocorrência de uma tentativa revolucionária com a Conjuração dos
Iguais liderada pelo jornalista Graco Babeuff, considerada
uma primeira nuance de socialismo em 1796 e uma ameaça
golpista dos ultrarrealistas de 1797 ligado ao velho
absolutismo. Nessas duas oportunidades o governo se socorreu com o Exército, em
ambas as situações a repressão coube o jovem General Napoleão Bonaparte,
que já obtivera importantes vitórias sobre as forças austríacas e prussianas
classificadas como anti francesas.
Em razão dessa turbulência, o governo do
Diretório articulou um Golpe de Estado em conluio com o
Exército sob a liderança do Gal. Napoleão. Era o Golpe
do 18 Brumário (novembro pelo calendário gregoriano).
(1799-1804) A Fase da República Consular.
Esses foram os primeiros quatro anos de Napoleão a
frente do governo francês, na condição Primeiro Cônsul, ao lado de
dois outros Cônsules. Eram eles Emanuel Sieyès, um abade autor do
panfleto revolucionário, que circulou as vésperas da Revolução em 1789 sobre o
Terceiro Estado e Roger Duco.
(1804-1815) A Fase do Império.
Por meio de dois plebiscitos Napoleão Bonaparte obteve duas importantes vitórias políticas. No primeiro em 1802, tornou-se Cônsul Vitalício. No segundo, em 1804, obteve a aprovação para instalação da monarquia. Em 02 de dezembro, entendendo que o plebiscito o indicava para ocupar o trono, se coroou imperador.
Ao longo das duas fases de seu governo,
Napoleão promoveu no plano interno uma política que lançou as
bases do capitalismo industrial francês ao criar o Banco Nacional da
França, ao adotar medidas protecionistas e através
do Código Civil assegurou o direito à propriedade privada, proibiu a
organização dos trabalhadores em sindicatos e a realização de greves e
instituiu o casamento civil. Além disso, Napoleão investiu numa política
educacional com a criação dos Liceus que adotaram uma
educação utilitária, ou seja, para a formação da mão de obra. De modo a
ampliar sua base de sustentação política adotou uma política de distribuição
de terras para os camponeses, mas assegurando aos antigos proprietários a
indenização.
No plano externo, Napoleão Bonaparte promoveu uma agressiva política expansionista sobre a Europa. Por um lado, buscando impor sua autoridade ao continente dada sua inspiração cesarista. Por outro lado buscou estabelecer o domínio francês sobre os mercados europeus. Desse modo Napoleão promoveu a invasão à Prússia, à Áustria, à Suíça, à Península Italiana e à Península Ibérica.
Entretanto, a expansão napoleônica provocou uma rota de colisão entre a França e a Inglaterra em razão da disputa por mercados entre elas. O poderio militar inglês provocou uma medida radical do imperador francês, que, em 1806, decretou o Bloqueio Continental que proibia os países aliados ou não da França de comercializarem com os ingleses, ameaçando-os de invasão.
A vinda Família Real para o Brasil |
Em razão de ter desrespeitado o decisão do bloqueio, Portugal foi alvo da invasão francesa, o que obrigou o governo luso a transmigrar para o Brasil em 1808. A Rússia, que a princípio aderira ao bloqueio, rompeu com Napoleão em 1812, o que ocasionou a desastrosa invasão francesa à Rússia, esta marcou a quebra da sucessão de êxitos militares de Napoleão. Em dezembro de 1812, com as tropas combalidas pelo desabastecimento e arrasadas pelo intenso frio (+/- 40º negativos) daquele país, não restou alternativa aos franceses senão bater em retirada.
Nos anos seguintes, Napoleão sofreu novas e
definitivas derrotas frente às Coligações europeias anti francesas formadas
pela Inglaterra, Áustria, Prússia, Rússia e Holanda. Ao ser
derrotado em Leipzig (Alemanha), Napoleão sofreu outros revezes na Espanha,
Bélgica, Holanda e Suíça o que o obrigou a abdicar ao trono francês e assumir a
condição de exilado político na Ilha de Elba, local em que
permaneceu por seis meses – entre setembro de 1814 e abril de 1815 -. Saindo de
Elba, Napoleão retornou à Paris, reassumiu o trono, Luis XVIII, irmão de Luis
XVI, que havia assumido o trono durante o exílio de Napoleão fugiu. Entre abril
e julho de 1815, Napoleão fez o governo dos Cem Dias até ser
derrotado em Waterloo definitivamente. Derrotado, Napoleão foi
aprisionado na Ilha de Santa Helena na costa africana, permanecendo ali até a sua
morte em 1821.
Luis XVIII que havia fugido no momento em que Napoleão voltou do exílio reassumiu o trono francês e, mais tarde no Congresso de Viena, teve seu nome ratificado como monarca da França.
Luis XVIII |
Luis XVIII que havia fugido no momento em que Napoleão voltou do exílio reassumiu o trono francês e, mais tarde no Congresso de Viena, teve seu nome ratificado como monarca da França.
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