A Formação
dos Estados Nacionais (Século
XV)
A partir do século XIII, com Portugal e de forma
mais intensa no século XV, ocorreu o processo de formação dos Estados
Nacionais, que superou a ordem política feudal, ou seja, substituiu a velha superestrutura
descentralizada por uma nova, com o poder centralizado e
representado na figura do monarca. Esta centralização
significou a transição feudo-capitalista no plano político-jurídico.
Ainda que no processo de formação tenham
se manifestado as características locais de cada país, foi visível a utilização
de uma via clássica através da construção de uma aliança entre
o monarca e o segmento social da burguesia mercantil. Nessa aliança coube a
burguesia oferecer os recursos materiais, humanos e, sobretudo financeiros ao
monarca, que os utilizou: na formação do Exército Nacional,
transformado num poderoso instrumento de submissão das senhorias feudais, que
se mostravam refratárias a centralização do poder; na manutenção
burocracia estatal criada após a instalação do Estado Nacional.
O Exército do rei
(…) O
rei fora um aliado forte das cidades na luta contra os senhores. Tudo o que
reduzisse a força dos barões fortalecia o poder real. Em recompensa pela sua
ajuda, os cidadãos estavam prontos a auxiliá-lo com empréstimos em dinheiro.
Isso era importante, porque com dinheiro o rei podia dispensar a ajuda
militar de seus vassalos (os nobres). Podia contratar e pagar um exército pronto,
sempre a seu serviço, sem depender da lealdade de um senhor. Seria também um
exército melhor, porque tinha uma única ocupação: lutar. Os soldados feudais
não tinham preparo nem organização regular que lhes permitisse atuar em
conjunto, com harmonia. Por isso, um exército pago para combater, bem
treinado e disciplinado, e sempre pronto quando dele se necessitava,
constituía um grande avanço (…). O rei foi grato aos grupos comerciais e
industriais que lhe possibilitaram contratar e pagar um exército permanente,
bem equipado e com as últimas armas. Repetidas vezes recorreu à nascente
classe de homens de dinheiro, para empréstimos e doações. (…)
[Leo
Huberman. História da riqueza do homem. p.71-80]
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Com a formação do Estado e considerando o apoio da burguesia mercantil ao
monarca, coube a este retribuir criando para ela as condições, que favorecessem
a atividade comercial desenvolvida por aqueles que o ajudaram. Assim, houve a criação da moeda e do sistema
de pesos e medidas nacionais. Ocorreu a substituição dos impostos locais por
impostos nacionais. O Exército passou a ser utilizado também para oferecer
segurança nas vias de circulação das mercadorias. Essas medidas possibilitaram
a formação do mercado nacional, ponto de partida para o desenvolvimento do
comércio e posterior expansão ultramarina.
A Formação dos Estados Ibéricos e
Francês
Não obstante a existência dessa via clássica, não
se pode ignorar outras vias de formação como a portuguesa e a espanhola.
No caso lusitano, o Estado surgiu de uma decisão unilateral do herdeiro do
Condado Portucalense Afonso Henriques, que declarou a independência do Condado
em relação à Espanha no século XIII. Esta decisão provocou alguns conflitos com
os espanhois, entre eles o de 1383/1385 provocado pela Revolução de Avis,
liderada pela burguesia com apoio das classes populares, diante da ameaça de
Castela, maior reino espanhol, de reaver o controle sobre Portucale, após a
morte de Fernando de Borgonha em 1383. Como a herdeira do trono portucalense
havia se casado com o rei de Castela, ficou o medo da restauração do domínio
espanhol sobre o pequeno reino de Portugal. A Revolução de Avis consolidou a
soberania portuguesa e cristalizou a aliança entre o Estado e a burguesia
mercantil, ponto de partida para a expansão ultramarina do século XV.
Com relação ao Estado Espanhol formado em 1492, ele foi um desdobramento da
Guerra de Reconquista promovida pelos cristãos ibéricos contra os mouros, que
haviam invadido a Península Ibérica e ocupavam grande parte dela desde 711. A
vitória dos cristãos foi viabilizada pela união dos reinos a partir da fusão
dos reinos de Castela e Aragão por meio do casamento de seus herdeiros Isabel e
Fernando em 1469.
Além da vitória na guerra a unificação espanhola contou com o apoio da Igreja,
isto porque houve a opção espanhola pela condição de Estado Confessional. De
modo a retribuir esse apoio a monarquia espanhola apoiou a Igreja na
intolerância e perseguição contra os muçulmanos e judeus.
Na França o processo de formação do Estado contou com o apoio da burguesia
mercantil e, sobretudo, com a ocorrência da Guerra dos Cem Anos contra os
ingleses em que os monarcas contaram com o exército que impediu a derrota dos
franceses e possibilitou a submissão dos senhores feudais além de um
nacionalismo que serviu de liga para formar a unidade política e territorial.
O Absolutismo ou os Estados
Modernos
Ao longo dos séculos XVI/XVIII, os Estados Nacionais, em sua maioria,
adotaram um modelo de organização política em que o poder se concentrou nas
mãos dos monarcas, construindo o absolutismo. Nesse processo os monarcas
acumularam em suas mãos todo o poder da nação sobre: a administração, o
exército, a justiça, a economia e a religião.
Com
relação à religião, os monarcas agiram de duas maneiras: os espanhóis,
franceses e portugueses optaram por uma conciliação com os Papas, que se
traduziu num apoio importantíssimo da Igreja à autoridade do Estado Moderno
sustentando a teoria do Direito Divino dos Reis.
No caso britânico, o rei Henrique VIII decidiu por um rompimento com a Igreja
Católica ao criar a Igreja Anglicana da qual se tornou seu chefe em 1534 pelo
Ato de Supremacia.
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Esse regime político se sustentou apoiado em duas correntes ideológicas: uma religiosa e outra laica. A
religiosa denominada Teoria do Direito Divino dos Reis formulada
por Jacques Bossuet e sustentada por
Jean Bodin e Le Bret. Nela o rei era
apresentado como um representante da vontade de Deus, logo acima de tudo e de
todos com uma autoridade ilimitada e inquestionável.
“Três
razões fazem ver que este governo é o melhor. A primeira é que é o mais
natural e se perpetua por si próprio. A segunda razão é que esse governo é o
que interessa mais na conservação do Estado e dos poderes que o constituem: o
príncipe que trabalha para seu Estado trabalha para os seus filhos, e o amor
que tem pelo seu reino, confundido com o que tem pela sua família,
torna-se-lhe natural. A terceira razão tira-se da dignidade das casas reais
(…). O trono real não é o trono de um homem, mas do próprio Deus (...) os
reis são deuses e participam de alguma maneira da independência divina. O Rei
vê mais longe e de mais alto; deve acreditar-se que ele vê melhor, e deve
obedecer-se-lhe sem murmurar, pois o murmúrio é uma disposição para sedição.
[Jacques Bossuet] |
A
Teoria Laica teve entre seus autores o inglês Thomas Hobbes, autor de O Leviatã, o italiano Niccolò Machiavelli autor de O Príncipe e o holandês Hugo Grotius. Esses autores reconheciam
a autoridade do monarca como ilimitada e inquestionável, mas não por vontade de
Deus, mas sim pela necessidade da sociedade.
Para Hobbes, criador da Teoria do Contrato Social, a sociedade
reconhecia o poder do monarca porque acreditava que este poderia protegê-la e
porque também criaria as condições de desenvolvimento econômico. Para
Machiavelli o poder deveria ficar concentrado nas mãos do “príncipe” como
garantia da soberania do Estado. Seu poder não deveria sofrer qualquer
limitação moral e deveria ser exercido mesmo que isso implicasse o uso da
violência e da repressão.
O que é
melhor para o Príncipe? Será melhor ser amado que temido ou vice Versa?
(…) Responder-se-á que se desejaria ser uma e outra coisa; mas como é difícil
reunir ao mesmo tempo as qualidades que dão aqueles resultados, é muito mais
seguro ser temido que amado, quando se tenha que falhar numa das duas; É que
os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e
ambiciosos de dinheiro, e, enquanto lhes fizeres bem, todos estão contigo,
oferecem-te sangue, bens, vida, filhos, desde que a necessidade esteja longe
de ti. Mas quando ela se avizinha, voltam-se para outra parte. E o príncipe,
se confiou plenamente em palavras e não tomou outras precauções, está
arruinado. (…) E os homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do
que aos que se fazem temer porque este gera o medo do castigo (…)
[Niccolò Machiavelli. O príncipe.]
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Além da sustentação teórica, o absolutismo também se organizou com base nas
alianças políticas costuradas com as velhas classes senhoriais da nobreza e do
clero e com as classes mercantis. Com as velhas classes feudais uma aliança
que, em troca de apoio político ao monarca obtiveram privilégios como o da
isenção de impostos, ocupação de cargos públicos e do direito de cobrança de
tributos dos camponeses. Com relação aos grupos mercantis, lhes foi dado o
apoio no processo de expansão marítima e comercial e o direito de exploração
das novas rotas de comércio e das áreas coloniais conquistadas.
As alianças de sustentação do absolutismo impuseram aos monarcas limites no
exercício da autoridade, uma vez que eles não podiam desprezar os interesses
daqueles que se constituíram em seus parceiros políticos. Daí a necessidade de
negociar, de transigir, de contemporizar de modo a atender
aos seus parceiros.
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