A
Transição Ideológica feudo-capitalista (Século XVI)
As
Reformas Religiosas
No processo da transição da sociedade
feudal para a sociedade capitalista, no campo ideológico, a exemplo do
Humanismo e Renascimento, as Reformas Religiosas ocorridas no século XVI deram
uma inquestionável contribuição, a medida que com elas surgiu uma nova ética
religiosa mais ajustada aos interesses da burguesia mercantil. Isto porque, com
a doutrina Calvinista a burguesia se viu liberta da condição de pecadora por
acumular riqueza através da maximização do lucro na prática do comércio. Vale
registrar que, mesmo não tendo uniformidade a reforma protestante propagou-se
por vários países europeus e rompeu indiscutivelmente com a unidade cristã
ocidental.
A
conjuntura geradora das reformas
As Reformas Religiosas, deflagradas em 1517, pelo monge agostiniano Martinho Lutero na Alemanha, além da questão religiosa, repercutiram um quadro de contradições ou de conflito de interesses entre a Igreja Católica e os da burguesia, dos monarcas e, até mesmo, da nobreza.
Com relação ao choque com a burguesia devia-se ao fato de a Igreja, com base na
Teoria do Preço Justo, condenar o lucro e, portanto, a prática
capitalista. Vale registrar que a Igreja Católica era maior proprietária
territorial da Europa, logo interessada na manutenção da ordem feudal.
No tocante a dificuldade envolvendo a relação entre a Igreja Católica e o
poder nacional dos monarcas devia-se ao fato de que na formação dos
Estados houve um confronto entre o poder nacional e o poder supranacional
dos papas, isto porque em determinadas situações a autoridade do Papa se
sobrepunha a autoridade temporal dos reis. De modo que a afirmação do poder dos
monarcas estava na relação direta do enfraquecimento do poder supranacional dos
papas. Daí a atitude do monarca inglês Henrique VIII de romper com a Igreja
Católica e criar uma igreja nacional, a Anglicana em que ele tornou-se seu
principal líder afastando a influência política do Papa, na época
Clemente VII.
Quanto ao problema da Igreja com parte da nobreza europeia, em particular a da
Alemanha, devia-se ao fato de essa nobreza buscar fortalecer-se confiscando as
terras eclesiásticas, para enfrentar, em melhores condições, o processo de
unidade política e territorial que ela se opunha com firmeza.
Não bastassem essas dificuldades econômicas, políticas e ideológicas, a Igreja
enfrentava as duras críticas ao comportamento do seu corpo clerical
marcado pela venda das indulgências, da prática da simonia
e do nepotismo e pela quebra do voto de castidade por
parte de seus integrantes.
A Reforma
Luterana
O surgimento das Igrejas protestantes começou na Alemanha e coube ao monge
agostiniano e professor de teologia em Wittemberg Martinho Lutero dar início ao
processo em 1517 ao publicar suas 95 Teses afixando-as na
Catedral da cidade expondo suas divergências com a doutrina católica e com o
comportamento clerical. Num primeiro momento Roma, sob o pontificado de Leão X, não deu muita
relevância a crítica do padre alemão. Entretanto, ao perceber a repercussão das
ideias de Lutero junto a nobreza, o papado tentou reverter a situação
ameaçando-o de excomunhão e exigindo que ele recuasse em suas críticas.
Para tanto a Igreja conseguiu, com apoio do Imperador Carlos V, a convocação da
Dieta (Assembleia) de Worms em 1521 para que nela Lutero se retratasse. No
entanto, Lutero reafirmou todas as suas ideias em Worms.
A situação caminhou para, em 1536, Lutero publicou a sua doutrina, lida em
Augsburgo por Felipe de Melanchton (amigo de Lutero). Estava naquele momento
sendo criada uma nova igreja cristã. A doutrina luterana entre outras coisas
defende o direito de igualdade entre os homens para a obtenção da salvação. Essa
proposta foi interpretada pelos camponeses como a igualdade de direitos, dando
origem ao movimento anabatista liderado por Thomas Müntzer, que
propunha a construção de uma sociedade comunal primitiva.
O fato de o movimento anabatista ter resultado em ações de invasão de
propriedades e morte de alguns de seus proprietários, houve uma reação da
nobreza que recorreu a Lutero cujo pronunciamento foi de condenação do
movimento camponês comparando os seus integrantes a parceiros do demônio e cães
raivosos, justificando toda a violenta repressão que desabou sobre os
anabatistas.
O surgimento do luteranismo acabou por dividir a Alemanha entre protestantes e
católicos, cujo resultado foi uma guerra civil que vitimou milhares de pessoas
e só foi resolvida pelo acordo de Augsburgo de 1555 em que caberia aos
príncipes decidir, em seus reinos, se os seus súditos devessem ser católicos ou
protestantes. Com certeza foi este acordo que fortaleceu o poder local dos
príncipes, retardando a formação do Estado Nacional e atrasando a transição
para o capitalismo.
O Luteranismo depois de surgir na Alemanha, estendeu-se para a Suécia, Noruega
e Dinamarca.
Os principais pontos da doutrina
luterana
- justificativa
da salvação pela fé. Para Lutero a fonte da fé era a Bíblia, daí seu trabalho de traduzi-la para o alemão.
- livre interpretação da Bíblia.
- aceitação de apenas dois sacramentos: batismo e
eucaristia (comunhão).
- defesa da consubstanciação (presença espiritual
de Cristo na Eucaristia) rejeitando a tese católica da transubstanciação (o
pão e o vinho transformados em corpo e sangue de Cristo ).
- utilização da língua nacional para a celebração
do culto.
- submissão da Igreja ao Estado.
- negação do culto às imagens dos santos e da virgem.
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As propostas dos camponeses no
Anabatismo
- direito
dos camponeses para que escolhessem livremente seu pastor e podendo
destituí-lo em caso de comportamento inadequado.
- conceder aos pobres o direito de perseguir a caça,
pegar aves ou peixes.
- direito dos pobres de ter acesso a madeira nas
florestas cujos donos não as tenham adquirido legalmente.
- redução do regime de trabalho de modo a evitar
a sobrecarga como normalmente ocorre.
- não permitir aos donos das terras exigirem a
prestação de serviços além daqueles que estejam estabelecidos.
- pagamento de adicional quando o camponês tiver
que trabalhar além daquilo que estiver estabelecido.
- devolução das terras aos aldeãos quando ficar
comprovada que foram adquiridas de forma fraudulenta.
- o compromisso dos camponeses de renunciarem às
suas exigências se ficarem provadas que não estão em consonância com a
palavra de Deus nas Sagradas Escrituras.
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Com base no princípio da livre interpretação
da Bíblia proposta por Lutero, o teólogo e legista João Calvino publicou na sua
obra Instituição da Religião de Cristã de 1536 os pontos que compuseram a
sua doutrina, aquela que melhor se ajustou aos interesses burgueses uma vez que
justificou o lucro e a acumulação individual da riqueza, colocando-as
como uma manifestação da vontade de Deus. Segundo Calvino, na Sagrada
Escritura, Deus manifestou, com sua majestade, o que desejava fazer a cada um
dos homens, assim Deus ordena a uns a vida eterna e a outros a condenação
perpétua. Isto definiu a teoria da predestinação absoluta calvinista.
O Calvinismo ofereceu a nascente burguesia uma justificativa para a
prosperidade econômica considerando-a como um sinal de Deus para a salvação do
indivíduo. Segundo Calvino esta prosperidade se justificaria desde que obtida
de forma honesta e pelo trabalho. Para Calvino o indivíduo deveria
levar uma vida mais regrada, longe do ócio e da ostentação.
A
contribuição ideológica de Calvino ao capitalismo foi reconhecida pelo
sociólogo Max Weber em sua obra A Ética Protestante e o espírito do capitalismo
de 1903, que o rotulou como o teólogo do capitalismo.
A doutrina Calvinista foi inaugurada em Genebra onde ele com apoio
das autoridades locais impôs um regime de rigorosa natureza moral e religiosa.
Calvino se refugiara em Genebra após sofrer com a intolerância política e
religiosa na França dos Bourbons.
“Chamamos de predestinação ao eterno decreto de
Deus com que sua Majestade determinou que deseja fazer a cada um dos homens
porque ele não cria a todos em uma mesma condição e estado, mas ordena a uns
a vida eterna e a outros a perpétua condenação. Portanto, segundo o fim a que
o homem é criado, dizemos que está predestinado ou à vida ou à morte...”
[ João Calvino no livro Instituição da
Religião cristã ]
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A Reforma
Anglicana
Em novembro 1534 o Parlamento inglês votou e aprovou o Ato de Supremacia e com
ele oficializava a criação da nova Igreja Anglicana e transformava o Rei em seu
chefe supremo. A doutrina Anglicana conservou, em grande parte, a estrutura e
os dogmas do catolicismo com algumas poucas alterações. Daí ela ser considerada
a mais católica das Igrejas Protestantes.
A criação da Igreja Anglicana expressou uma constatada situação de conflito
entre o Estado Nacional e o Papado, que vinha se arrastando porque a Igreja não
reconhecia a autoridade do monarca, cobrava impostos e se recusava a conceder o
divórcio a Henrique VIII de seu casamento com Catarina de Aragão (filha de
Fernando e Isabel os reis católicos espanhóis), que, segundo o monarca, não
poderia dar um herdeiro ao trono britânico. Além disso, havia na Inglaterra
um clima hostil ao clero católico chamada de classe vadia que se
entregava aos prazeres das caças, das festas e do sexo.
Embora oficialmente a Igreja Anglicana tenha sido criada pelas razões acima
mencionadas, não podemos desprezar os propósitos políticos e econômicos da
Coroa nesse fato: do ponto de vista político ela representaria o
afastamento do poder supranacional do Papa, que em algumas situações se
sobrepunha ao poder real; no campo econômico a questão envolvia o interesse do
Estado nos bens territoriais da Igreja, estimados em cerca de 1/5 da
Inglaterra. De modo que a questão do divórcio, não concedido pelo Papa
Clemente VII, tornou-se pano de fundo para os verdadeiros interesses da Coroa
britânica.
Com a criação da Igreja Nacional, os bens da Igreja Católica passaram a
pertencer a ela. Como o monarca era seu chefe supremo, ele pode dispor desses
bens da forma que melhor convinha ao Estado. Daí o fato do monarca ter iniciado
o processo de transferência dessas terras para as mãos da gentry e da
burguesia o que deflagrou o processo de Cercamento dos Campos
(enclosures land’s).
Em 1603, no reinado de Elisabeth I o Anglicanismo foi codificado pelo Ato dos
39 Artigos em que: foi mantida a hierarquia, houve aceitação de apenas dois
sacramentos: batismo e eucaristia, adotou a salvação pela predestinação, impôs
a língua inglesa para a celebração do culto e determinou a subordinação da
Igreja ao Estado.
A
Contra Reforma ou a Reforma Católica
Num primeiro momento, a Igreja Católica manteve-se passiva diante dos
movimentos religiosos inaugurados por Lutero em 1517. Entretanto, a partir de
13 de dezembro de 1545 estendendo-se a 1563, convocado pelo Papa Paulo
III, realizou-se, o Concílio de Trento, que representou uma tomada
de posição da Igreja Católica para reprimir o avanço do protestantismo e
promover a reafirmação de seus dogmas e sua propagação, como ocorreu na
América recém conquistada, em que os jesuítas (padres da
Companhia de Jesus) por meio da organização dos índios nas Missões promoveram
a catequese, ou seja, a aculturação dos gentios.
No
Concílio de Trento foram estabelecidos os seguintes pontos:
- reafirmação
de toda a doutrina católica, dos sete sacramentos e da indulgência;
- manutenção
da hierarquia eclesiástica, da infalibilidade papal, da língua latina para a
realização do culto e da prática das boas obras associada à fé para a salvação;
- reorganização
do Tribunal do Santo Ofício para julgar aqueles que descumpriam os dogmas
católicos;
- criação
do Índex (Índice de Livros Proibidos), do catecismo e de seminários;
- criação das Ordens Religiosas para a propagação da fé e da Doutrina Católica, como foi o caso da Ordem dos Jesuítas e seu papel nas áreas coloniais ibéricas.
- criação das Ordens Religiosas para a propagação da fé e da Doutrina Católica, como foi o caso da Ordem dos Jesuítas e seu papel nas áreas coloniais ibéricas.
Com relação a Contra Reforma Católica, ela
ocorreu em maior escala em Portugal, na Espanha e na França. Nesses
países a Igreja Católica teve o apoio dos Estados Absolutistas numa troca de
interesses. Por um lado o Estado contribuía para a repressão aos não católicos
e em troca a Igreja, com o poder de influência sobre a população, dava apoio
ideológico através da Doutrina do Direito Divino dos Reis.
Além das medidas já citadas, a Igreja Católica também interveio no campo
das artes incentivando a estética barroca, numa retomada dos
elementos da religiosidade na escultura em oposição a cultura
racionalista do Renascimento. De forma explícita, no Concílio de Trento, a
Igreja afirmou que a arte deve estar a serviço dos ritos católicos através das
imagens e estas devem ser vistas como o contato entre a humanidade e Deus.
Resoluções do
Concílio de Trento
- Se alguém disser que o homem se pode
justificar para com Deus por suas próprias obras […] seja excomungado.
- Se alguém disser que o livre arbítrio do homem
movido e excitado por nada coopera para alcançar a graça da justificação,
seja excomungado.
- Se alguém disser que o livre arbítrio do homem
está perdido e extinto, depois do pecado de Adão, seja excomungado.
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As consequências das Reformas Religiosas
Não há dúvida que as Reformas
Religiosas, tanto as protestantes quanto a Católica, não repercutiram no
campo meramente religioso, mas se estenderam a outras áreas:
- no plano econômico: contribuíram para a
afirmação da ética capitalista em oposição ética católica ensejando o avanço
das práticas capitalistas nas áreas calvinistas e anglicanas;
- no plano político: colaboraram para o
fortalecimento do poder real, a partir do enfraquecimento do poder
supranacional do papado.
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