sábado, 29 de julho de 2017

Unidade VI: as Reformas Religiosas no século XVI


A Transição Ideológica feudo-capitalista (Século XVI)
As Reformas Religiosas
     No processo da transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista, no campo ideológico, a exemplo do Humanismo e Renascimento, as Reformas Religiosas ocorridas no século XVI deram uma inquestionável contribuição, a medida que com elas surgiu uma nova ética religiosa mais ajustada aos interesses da burguesia mercantil. Isto porque, com a doutrina Calvinista a burguesia se viu liberta da condição de pecadora por acumular riqueza através da maximização do lucro na prática do comércio. Vale registrar que, mesmo não tendo uniformidade a reforma protestante propagou-se por vários países europeus e rompeu indiscutivelmente com a unidade cristã ocidental.

A conjuntura geradora das reformas

     As Reformas Religiosas, deflagradas em 1517, pelo monge agostiniano Martinho Lutero na Alemanha, além da questão religiosa, repercutiram um quadro de contradições ou de conflito de interesses entre a Igreja Católica e os da burguesia, dos monarcas e, até mesmo, da nobreza.
     Com relação ao choque com a burguesia devia-se ao fato de a Igreja, com base na Teoria do Preço Justo, condenar o lucro e, portanto, a prática capitalista. Vale registrar que a Igreja Católica era maior proprietária territorial da Europa, logo interessada na manutenção da ordem feudal.
     No tocante a dificuldade  envolvendo a relação entre a Igreja Católica e o poder nacional dos monarcas devia-se ao fato de que na formação dos Estados  houve um confronto entre o poder nacional e o poder supranacional dos papas, isto porque em determinadas situações a autoridade do Papa se sobrepunha a autoridade temporal dos reis. De modo que a afirmação do poder dos monarcas estava na relação direta do enfraquecimento do poder supranacional dos papas. Daí a atitude do monarca inglês Henrique VIII de romper com a Igreja Católica e criar uma igreja nacional, a Anglicana em que ele tornou-se seu principal  líder afastando a influência política do Papa, na época Clemente VII.
    Quanto ao problema da Igreja com parte da nobreza europeia, em particular a da Alemanha, devia-se ao fato de essa nobreza buscar fortalecer-se confiscando as terras eclesiásticas, para enfrentar, em melhores condições, o processo de unidade política e territorial que ela se opunha com firmeza.
     Não bastassem essas dificuldades econômicas, políticas e ideológicas, a Igreja enfrentava  as duras críticas ao comportamento do seu corpo clerical marcado pela venda das indulgências, da prática da  simonia e  do nepotismo e pela quebra do voto de castidade por parte de seus integrantes.

A Reforma Luterana

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  O surgimento das Igrejas protestantes começou na Alemanha e coube ao monge agostiniano e professor de teologia em Wittemberg Martinho Lutero dar início ao processo em 1517 ao publicar suas 95 Teses afixando-as na Catedral da cidade expondo suas divergências com a doutrina católica e com o comportamento clerical. Num primeiro momento Roma, sob o pontificado de Leão X, não deu muita relevância a crítica do padre alemão. Entretanto, ao perceber a repercussão das ideias de Lutero junto a nobreza, o papado tentou reverter a situação ameaçando-o de excomunhão e  exigindo que ele recuasse em suas críticas. Para tanto a Igreja conseguiu, com apoio do Imperador Carlos V, a convocação da Dieta (Assembleia) de Worms em 1521 para que nela Lutero se retratasse. No entanto, Lutero reafirmou todas as suas ideias em Worms.
     A situação caminhou para, em 1536, Lutero publicou a sua doutrina, lida em Augsburgo por Felipe de Melanchton (amigo de Lutero). Estava naquele momento sendo criada uma nova igreja cristã. A doutrina luterana entre outras coisas defende o direito de igualdade entre os homens para a obtenção da salvação. Essa proposta foi interpretada pelos camponeses como a igualdade de direitos, dando origem ao movimento anabatista liderado por Thomas Müntzer, que propunha a construção de uma sociedade comunal primitiva.
     O fato de o movimento anabatista ter resultado em ações de invasão de propriedades e morte de alguns de seus proprietários, houve uma reação da nobreza que recorreu a Lutero cujo pronunciamento foi de condenação do movimento camponês comparando os seus integrantes a parceiros do demônio e cães raivosos, justificando toda a violenta repressão que desabou sobre os anabatistas.
     O surgimento do luteranismo acabou por dividir a Alemanha entre protestantes e católicos, cujo resultado foi uma guerra civil que vitimou milhares de pessoas e só foi resolvida pelo acordo de Augsburgo de 1555 em que caberia aos príncipes decidir, em seus reinos, se os seus súditos devessem ser católicos ou protestantes. Com certeza foi este acordo que fortaleceu o poder local dos príncipes, retardando a formação do Estado Nacional e atrasando a transição para o capitalismo.
     O Luteranismo depois de surgir na Alemanha, estendeu-se para a Suécia, Noruega e Dinamarca.

                           Os principais pontos da doutrina luterana

- justificativa da salvação pela fé. Para Lutero a fonte da fé era a Bíblia, daí seu trabalho   de traduzi-la para o alemão.
- livre interpretação da Bíblia.
- aceitação de apenas dois sacramentos: batismo e eucaristia (comunhão).
- defesa da consubstanciação (presença espiritual de Cristo na Eucaristia) rejeitando a tese católica da transubstanciação (o pão e o vinho transformados em corpo e sangue de Cristo ).
- utilização da língua nacional para a celebração do culto.
- submissão da Igreja ao Estado.
- negação do culto às imagens dos santos e da virgem.


                           As propostas dos camponeses no Anabatismo

- direito dos camponeses para que escolhessem livremente seu pastor e podendo destituí-lo em caso de comportamento inadequado.
- conceder aos pobres o direito de perseguir a caça, pegar aves ou peixes.
- direito dos pobres de ter acesso a madeira nas florestas cujos donos não as tenham adquirido legalmente.
- redução do regime de trabalho de modo a evitar a sobrecarga como normalmente ocorre.
- não permitir aos donos das terras exigirem a prestação de serviços além daqueles que estejam estabelecidos.
- pagamento de adicional quando o camponês tiver que trabalhar além daquilo que estiver estabelecido.
- devolução das terras aos aldeãos quando ficar comprovada que foram adquiridas de forma fraudulenta.
- o compromisso dos camponeses de renunciarem às suas exigências se ficarem provadas que não estão em consonância com a palavra de Deus nas Sagradas Escrituras.

A Reforma Calvinista

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  Com base no princípio da livre interpretação da Bíblia proposta por Lutero, o teólogo e legista João Calvino publicou na sua obra Instituição da Religião de  Cristã de 1536 os pontos que compuseram a sua doutrina, aquela que melhor se ajustou aos interesses burgueses uma vez que justificou o lucro e a  acumulação individual da riqueza, colocando-as como uma manifestação da vontade de Deus. Segundo Calvino, na Sagrada Escritura, Deus manifestou, com sua majestade, o que desejava fazer a cada um dos homens, assim Deus ordena a uns a vida eterna e a outros a condenação perpétua. Isto definiu a teoria da predestinação absoluta calvinista.
   O Calvinismo ofereceu a nascente burguesia uma justificativa para a prosperidade econômica considerando-a como um sinal de Deus para a salvação do indivíduo. Segundo Calvino esta prosperidade se justificaria desde que obtida de forma honesta e pelo trabalho. Para Calvino o indivíduo deveria levar uma vida mais regrada, longe do ócio e da ostentação.
  A contribuição ideológica de Calvino ao capitalismo foi reconhecida pelo sociólogo Max Weber em sua obra A Ética Protestante e o espírito do capitalismo de 1903, que o rotulou como o teólogo do capitalismo.
     A doutrina Calvinista foi inaugurada em Genebra onde  ele  com apoio das autoridades locais impôs um regime de rigorosa natureza moral e religiosa. Calvino se refugiara em Genebra após sofrer com  a intolerância política e religiosa na França dos Bourbons.

“Chamamos de predestinação ao eterno decreto de Deus com que sua Majestade determinou que deseja fazer a cada um dos homens porque ele não cria a todos em uma mesma condição e estado, mas ordena a uns a vida eterna e a outros a perpétua condenação. Portanto, segundo o fim a que o homem é criado, dizemos que está predestinado ou à vida ou à morte...”

 [ João Calvino no livro Instituição da Religião cristã ]

A Reforma Anglicana

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      Em novembro 1534 o Parlamento inglês votou e aprovou o Ato de Supremacia e com ele oficializava a criação da nova Igreja Anglicana e transformava o Rei em seu chefe supremo. A doutrina Anglicana conservou, em grande parte, a estrutura e os dogmas do catolicismo com algumas poucas alterações. Daí ela ser considerada a mais católica das Igrejas Protestantes.
     A criação da Igreja Anglicana expressou uma constatada situação de conflito entre o Estado Nacional e o Papado, que vinha se arrastando porque a Igreja não reconhecia a autoridade do monarca, cobrava impostos e se recusava a conceder o divórcio a Henrique VIII de seu casamento com Catarina de Aragão (filha de Fernando e Isabel os reis católicos espanhóis), que, segundo o monarca, não poderia dar um herdeiro ao trono britânico. Além disso, havia na Inglaterra um  clima hostil ao clero católico chamada de classe vadia que se entregava aos prazeres das caças, das festas  e do sexo.
     Embora oficialmente a Igreja Anglicana tenha sido criada pelas razões acima mencionadas, não podemos desprezar os propósitos políticos e econômicos da Coroa nesse fato: do ponto de vista político ela representaria o afastamento do poder supranacional do Papa, que em algumas situações se sobrepunha ao poder real; no campo econômico a questão envolvia o interesse do Estado nos bens territoriais da Igreja, estimados em cerca de 1/5 da Inglaterra. De modo que a questão do divórcio, não concedido pelo Papa Clemente VII, tornou-se pano de fundo para os verdadeiros interesses da Coroa britânica.
     Com a criação da Igreja Nacional, os bens da Igreja Católica passaram a pertencer a ela. Como o monarca era seu chefe supremo, ele pode dispor desses bens da forma que melhor convinha ao Estado. Daí o fato do monarca ter iniciado o processo de transferência dessas terras para as mãos da gentry e da burguesia o que deflagrou o processo de Cercamento dos Campos (enclosures land’s).
     Em 1603, no reinado de Elisabeth I o Anglicanismo foi codificado pelo Ato dos 39 Artigos em que: foi mantida a hierarquia, houve aceitação de apenas dois sacramentos: batismo e eucaristia, adotou a salvação pela predestinação, impôs a língua inglesa para a celebração do culto e determinou a subordinação da Igreja ao Estado.

 A Contra Reforma ou a Reforma Católica

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   Num primeiro momento, a Igreja Católica manteve-se passiva diante dos movimentos religiosos inaugurados por Lutero em 1517. Entretanto, a partir de 13 de dezembro de  1545 estendendo-se a 1563, convocado pelo Papa Paulo III, realizou-se, o Concílio de Trento, que representou uma tomada de posição da Igreja Católica para reprimir o avanço do protestantismo e promover a  reafirmação de seus dogmas e sua propagação, como ocorreu na América recém conquistada, em que os jesuítas (padres da Companhia de Jesus) por meio da organização dos índios nas Missões promoveram a catequese, ou seja, a aculturação dos gentios.
No Concílio de Trento foram estabelecidos os seguintes pontos:

- reafirmação de toda a doutrina católica, dos sete sacramentos e da indulgência;

- manutenção da hierarquia eclesiástica, da infalibilidade papal, da língua latina para a realização do culto e da prática das boas obras associada à fé para a salvação;

- reorganização do Tribunal do Santo Ofício para julgar aqueles que descumpriam os dogmas católicos;

- criação do Índex (Índice de Livros Proibidos), do catecismo e de seminários; 

- criação das Ordens Religiosas para a propagação da fé e da Doutrina Católica, como foi o caso da Ordem dos Jesuítas e seu papel nas áreas coloniais ibéricas.

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     Com relação a Contra Reforma Católica, ela ocorreu em maior escala em Portugal,  na Espanha e na França. Nesses países a Igreja Católica teve o apoio dos Estados Absolutistas numa troca de interesses. Por um lado o Estado contribuía para a repressão aos não católicos e em troca a Igreja, com o poder de influência sobre a população, dava apoio ideológico através da Doutrina do Direito Divino dos Reis.

  Além das medidas já citadas, a Igreja Católica  também interveio no campo das artes incentivando a estética barroca, numa retomada dos elementos da religiosidade na  escultura  em oposição a cultura racionalista do Renascimento. De forma explícita, no Concílio de Trento, a Igreja afirmou que a arte deve estar a serviço dos ritos católicos através das imagens e estas devem ser vistas como o contato entre a humanidade e Deus.


Resoluções do Concílio de Trento

- Se alguém disser que o homem se pode justificar para com Deus por suas próprias obras […] seja excomungado.
- Se alguém disser que o livre arbítrio do homem movido e excitado por nada coopera para alcançar a graça da justificação, seja excomungado.
- Se alguém disser que o livre arbítrio do homem está perdido e extinto, depois do pecado de Adão, seja excomungado.



As consequências das Reformas Religiosas

     Não há dúvida que as Reformas Religiosas, tanto as protestantes quanto a Católica, não repercutiram no campo meramente religioso, mas se estenderam a outras áreas:

- no plano econômico: contribuíram para a afirmação da ética capitalista em oposição ética católica ensejando o avanço das práticas capitalistas nas áreas calvinistas e anglicanas;

- no plano político: colaboraram para o fortalecimento do poder real, a partir do enfraquecimento do poder supranacional do papado.


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